CIDADE INVISÍVEL | Caracterização da Cuca faz com que a série seja alvo de críticas

Na série de Carlos Saldanha, a personagem Cuca é interpretada por Alessandra Negrini. Caracterização tem repercutido na internet.

A série brasileira Cidade Invisível, produzida pela Netflix, nem estreou e já está dando o que falar. O trailer oficial do drama foi divulgado a dois dias pelo serviço de streaming, e a caracterização de uma das lendas representadas no vídeo tem repercutido bastante.

A Cuca, criatura mitológica brasileira, conquistou o imaginário popular quando foi apresentada nas adaptações para a TV de “Sítio do Pica-pau Amarelo“, baseadas nos livros de Monteiro Lobato. No periódico, a personagem era caracterizada como uma criatura de estatura humana, mas com pele, calda e cabeça de jacaré. O figurino mudava um pouco de versão para versão – de vestido vermelho em algumas e sem roupas em outra – a personagem também era marcada por ter cabelos loiros e habitar um caverna.

Cucas em Sitio do Pica-pau Amarelo
Diferentes caracterizações da Cuca em “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, adaptação da obra de Monteiro Lobato.

Na versão proposta por Carlos Saldanha, diretor da série, a lenda parece estar um pouco diferente: interpretada por Alessandra Negrini (Mulheres Alteradas; Sexo, Amor e Traição), a personagem é representada por uma misteriosa mulher de vestes longas e escuras com tererês no cabelo. Em uma das cenas, ela parece estar em um ritual envolvendo borboletas. Parece que o lar da feiticeira também têm características cavernosas, embora esteja longe de ser uma caverna propriamente dita.

Cuca em Cidade Invisível
Cuca em “Cidade Invisível”, série da Netflix dirigida por Carlos Saldanha.

A caracterização da personagem fez com que alguns usuários das redes sociais – que provavelmente tinham a imagem da Cuca de Lobato em mente – criticassem a série, mesmo sem saber se essa é a real aparência do ser mitológico ou apenas uma disfarce. Confira:

Cidade Invisivel Comentarios

O que nem todos sabem é que nas origens da lenda da Cuca, a criatura não tinha essa imagem reptiliana que as adaptações das obras de Lobato impôs, como vocês podem ver a seguir.

Conheça as origens da Cuca

Representação da Cuca pelo artista Ikarow.

Um dos livros que pode nos fazer entender um pouco mais sobre o folclore nacional é o “Geografia dos Mitos Brasileiros“, escrito pelo historiador e antropólogo Luís da Câmara Cascudo. Nele, o autor descreve a Cuca da seguinte forma:

“A Cuca ou a Coca é um ente velho, muito feio, desgrenhado, que aparece durante a noite para levar consigo os meninos inquietos, insones ou faladores. Para muitos a Coca ou Cuca é apenas uma ameaça de perigo informe. Amedronta pela deformidade. Não sabe como seja o fantasma. A maioria, porém, identifica-a como uma velha, bem velha, enrugada, de cabelos brancos, magríssima, corcunda e sempre ávida pelas crianças que não querem dormir cedo e fazem barulho. É um fantasma noturno. Figura em todo o Brasil nas canções de ninar. Não há sobre ele episódios nem localizações. Está em toda a parte, mas nunca se disse quem carregou e como o faz. Conduz a criança num saco. Leva nos braços. Some-se imediatamente depois de fazer a presa. Pertence ao ciclo dos pavores infantis que a Noite traz.”

Representação da “côca”, figura que participava de procissões religiosas em Portugal.

A personagem, portanto, assemelha-se mais à uma bruxa velha do que a caracterização de Lobato. Outras lendas de origem portuguesa também relatam o personagem “côca“, um indivíduo que participava de procissões religiosas e vestia uma túnica cinzenta com um capuz. Na Espanha, por sua vez, existia a personagem “Coca“, descrita como um dragão de papelão que assustava as crianças.

No Brasil, essas diversas origens da personagem se misturaram a tradições de origens indígenas e africanas: no tupi, “cuca” significa tragar, engolir de uma vez, e no idioma angolano Nbunda o termo significa avô ou avó, o que corrobora para sua aparência velha. No final, o que se tem é a imagem de uma velha que rapta e devora crianças que se recusam a dormir ou obedecer as vontades dos pais.

O que Monteiro Lobato  faz é adaptar esse personagem para uma realidade mais infantil, aproximando-se mais do dragão de origem espanhola. No Sítio do Pica Pau Amarelo, a Cuca é uma criatura que mora no Capoeirão dos Tucanos, dorme uma vez a cada sete anos e habita uma caverna escura, onde pratica suas feitiçarias.

Cidade Invisível
Caracterização da Cuca em “Sitio do Pica-Pau Amarelo”, edição de 2001

Na própria obra de Monteiro Lobato, a personagem é descrita de duas formas diferentes. Na primeira vez, Pedrinho a descreve como alguém que “tinha cara de jacaré e garras nos dedos como os gaviões. Quanto à idade, devia andar para mais de três mil anos. Era velha como o tempo”. Já a personagem Narizinho a descreve como uma velha: “De repente, uma velha, muito velha e coroca, aproximou-se de mim com um sorriso muito feio na cara”.

Seja como jacaroa ou como uma velha feiticeira, a versão interpretada por Alessandra Negrini deve retratar o lado mais sombrio e adulto da Cuca. A julgar pelo histórico da atriz, é de se esperar que o resultado dê certo.

Cidade Invisível“, uma série original Netflix, chega ao serviço de streaming no dia 5 de Fevereiro.

Arquiteto e Urbanista aficionado por Cenografia e Cinema. Criador de conteúdo da área desde 2013 e apaixonado por adaptações cinematográficas, especialmente de fantasia.
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5 comentários

  • Relaxa galera, jaja ela toma a vacina e vira jacaré

  • Calma galera, na série haverá a lenda do Zé Gotinha que, vacinará a Cuca e, ela virará um jacaré!

  • Gente só para lembrar A Cuca, o saci, a mula sem cabeça o curupira entre outros personagens do imaginário brasileiro não é MITOLOGIA, e sim FLOCORE!

  • Ou seja a Cuca é apenas mais uma versão do Bicho Papão/Homem do Saco

  • Gostei muito dos primeiros episódios. Figurino, efeitos especiais, história, personagens, trilha sonora, tudo muito bem colocado num clima de mistério e o que considero mais importante: É uma história com personagens do nosso folclore. Oportunidade para novas gerações conhecerem a riqueza da nossa cultura, visto que muita gente sabe mais sobre os heróis e vilões da cultura norte americana do que do nosso Brasil.

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